Um sonhador bossa nova (Publicado na Revista pronews - Edição nº 127)
30/11/2010
Cléo Nicéas é uma daquelas personalidades que têm o dom do magnetismo. Talvez seja por a Comunicação esteja no DNA de sua família que o atual presidente da Associação das Empresas de Radiodifusão do Nordeste (Asserpe) seja um amálgama de sua profissão. Seu pai, o radialista Amarílio Nicéas, que atuou na Rádio Jornal do Commercio, foi quem o apresentou ao mundo dos estúdios, microfones e câmeras que o seguiriam pelos anos seguintes.
Apesar desse contato tão cedo com universo da Comunicação, Cléo Nicéas ainda desempenharia vários papeis e funções, tendo aprendido muito com eles – ao ser perguntado sobre qual atuação o fez mais feliz, ele prontamente responde: “Todas!”. Sua inspiração para o dia a dia? Vem do fato de ele ser um sonhador. “Eu sempre tento colocar um pouco dos meus sonhos em tudo o que faço. É o que me faz seguir em frente”, revela. E continua: “Eu estou com 62 anos, e nem por isso vou achar que já fiz tudo o que tinha de fazer. Muito pelo contrário. A experiência é o alimento dos sonhos inovadores”.
Dito isso, não é de se espantar que, em seus momentos de descanso, Cléo pratique a contemplação. “Talvez isso venha do fato de o meu lado emocional estar em movimento o tempo inteiro. Gosto de andar pela rua e observar a natureza das coisas. Isso me dá inspiração para muitas ideias”, conta. Na conversa a seguir, Cléo Nicéas fala sobre sua trajetória de vida, o trabalho à frente da Globo Nordeste e as ações que serão realizadas junto à Asserpe, entre outros assuntos.
REVISTA PRONEWS – Cléo, você poderia contar um pouco de sua trajetória, tanto de vida como de profissional?
CLÉO NICÉAS – De certa forma, a Comunicação está em minha vida desde que eu nasci. À época do meu nascimento, meu pai estava fazendo um teste para locutor da Rádio Jornal. Mas a minha vida profissional em Comunicação só teria início anos mais tarde, embora eu convivesse com aquele universo desde que me conheço por gente. Até eu bater à porta da Comunicação, já tinha jogado profissionalmente pelo Sport Club do Recife, aos 16 anos, e até havia tentado a carreira no futebol pelo São Paulo, quando acompanhei a minha família durante uma jornada na capital paulista. Mas, infelizmente, também não deu para seguir em frente.
Após deixar o clube, eu fui trabalhar em um escritório de representação comercial de algumas emissoras de rádio da Bandeirantes em São Paulo e outras pelo Brasil, como a Rádio Olinda, que é daqui. E foi assim que tomei o meu primeiro contato com o mundo da Comunicação, envolvendo a mídia e a propaganda. Não me sentia muito preparado para isso. Tudo o que eu tinha era apenas uma tabela de preços e uma lista de agências para visitar. O que me ajudou foi aquela vontade imensa de aprender. Aquela satisfação que a gente sente quando acerta o passo, que nos dá mais vontade de acertar mais e mais. Claro que eu tive deficiências, pontos a serem melhorados.
Mas o tempo foi um mestre e me deu as ferramentas necessárias para que eu seguisse o meu caminho. Tanto que eu comecei fazendo representação comercial para as rádios do grupo Bandeirantes, e acabei chegando a assistente de produção da emissora de TV. Àquela altura, vi que não tinha mais volta: me identifiquei completamente com aquele universo. Cheguei até a produzir um programa de calouros que era veiculado aos sábados, apresentado pelo saudoso Barros de Alencar. Até que, um dia, minha família decidiu voltar para o Recife, e eu vim junto. Porque eu me conheço, sabia que iria sentir muito a falta de todos e que essa saudade poderia me atrapalhar de alguma forma.
Depois que voltamos à capital pernambucana, passamos por um período de muita dificuldade, cerca de dois anos, mais ou menos. Promessa de emprego a gente tinha toda semana, mas nada se concretizava. Então, a solução a curto prazo foi colocar o carro na praça. E lá estava eu, assumindo o volante como taxista. Durante esse período, eu fui conhecido por um apelido que meus colegas de praça me deram: Bossa Nova. Tudo porque eu estava lá, com aquela roupa mais arrumadinha, que lembrava o visual dos artistas desse gênero musical. Além de inovar, como trazer o jornal do dia no carro para o cliente ler durante a viagem, eu gostava de receber meus clientes com um sorriso. Não tinha tempo ruim para mim. E, apesar das dificuldades, não tinha mesmo! Olho com carinho para esse período, porque fiz muitas amizades, e o meu empenho em oferecer um bom serviço, não importa o que fosse, me trouxe reconhecimento das pessoas que entravam no meu carro. E isso tornava as coisas mais leves. Mas parecia que algo não me queria ali. É o que eu sempre digo. Acho que foi o mercado que me buscou, sabe? Como eu tinha muitos amigos na área de Comunicação, não tardei em reencontrá-los e as oportunidades voltaram.
Continuei seguindo em frente e aprendendo com muita gente boa. Até que, em 1973, fui contratado pela Globo Nordeste, onde passei 27 anos. Hoje eu posso olhar para trás e agradecer à vida por ter me dado tantas chances de aprender.
RPN – Ao ser homenageado no primeiro “Prêmio Pernambuco de Propaganda”, você revelou que continuava sonhando muito. Com o que sonha Cléo Nicéas?
CLÉO – Muitos têm a falsa concepção de que sonhos são coisas ainda distantes e difíceis de alcançar. Quando, na verdade, a nossa trajetória rumo a esta meta já é o próprio sonho em si, que está sendo construído. Eu sonho em ver a propaganda pernambucana mais amostrada, com mais ousadia, conquistando outros mundos. Por que não? Por que não, de repente, uma agência pernambucana abrindo um escritório em Nova York? Eu morro de medo de avião, mas se fosse para ter o prazer de ser testemunha de uma coisa desse tamanho, eu encararia numa boa. O avião poderia até cair na volta, mas pelo menos eu morreria feliz. Eu sonho em ver Pernambuco como um polo poderoso de audiovisual. Não apenas de profissionais criativos e competentes, porque isso já está mais do que provado que possuímos. Mas de produção e distribuição, com grandes estúdios fomentando o cenário cultural e dando oportunidades a quem está aí, na batalha. O que eu vejo sendo produzido no estado me deixa muito feliz, embora eu saiba que nós podemos muito mais.
RPN – Você atuou ao longo de 27 anos na Globo Nordeste, 17 deles como diretor-geral. Como essa experiência está sendo aplicada em seu trabalho junto à TV Asa Branca, de Caruaru?
CLÉO – O que eu faço atualmente não tem nada a ver com o que eu já desenvolvi no passado. Até porque eu gosto de olhar para frente e experimentar coisas novas. Eu reconheço que a Globo foi uma escola, uma universidade. A minha relação com a empresa sempre foi muito paritária: ela sempre reconheceu o meu trabalho e eu sempre reconheci e aprendi com os grandes profissionais que passaram por lá. Mas, se eu for pegar o trabalho que tive na Globo e aplicar na Asa Branca, eu me inviabilizo, porque seria muito fácil pegar a estrutura ou o modelo gerencial com o qual trabalhei. E isso não renderia bons frutos, porque os tempos são outros e a empresa, apesar de filiada à Globo, é outra. É uma experiência nova e diferente. Eu procuro ter um modelo próprio para cada empresa que eu trabalhar. É até uma questão de respeito consigo mesmo e com o lugar para o qual você trabalha. Não adianta copiar. Como já diz a própria palavra, cópia não é original. Não fica melhor, nem se destaca, você vai ser mais um. Nós temos de ser originais. O que não se pode é ter medo de tentar. Às vezes você acerta e às vezes você erra. Mas isso faz parte. Nos dois casos, alguma contribuição você deixa. Sempre dá para aprender com tudo o que fazemos.
RPN – Tem ainda sua experiência na Publicidade, como diretor comercial da agência Usimais. Como tem sido sua atuação nessa área?
CLÉO – A Usimais é uma agência de comunicação que eu particularmente admiro, embora eu seja suspeito para falar isso, pois quem está à frente dela são três de meus seis filhos. Mas o fato é que a minha admiração por eles só faz crescer a cada dia, porque eles estão lá batalhando da maneira deles, com as próprias decisões e muita criatividade. Na Usimais, eu poderia ser classificado como consultor, embora eu os deixe bem à vontade. Gosto de dar um pitaco, uma opinião sobre alguma coisa que eles venham a me mostrar.
RPN – Você assumiu este ano a presidência da Associação das Empresas de Radiodifusão do Nordeste (Asserpe). Como será sua gestão à frente da entidade?
CLÉO – Eu quero instigar, provocar nos associados uma corrida saudável rumo à inovação. Quero conversar e ouvir muito. Por conta dessa minha vontade de aprender, eu ainda não me considero realizado. Eu vejo isso como uma coisa boa, pois tenho certeza que ótimas ideias surgirão dos meus encontros com esses profissionais que o estado possui. Pode me chamar de sonhador, mas é isso mesmo o que eu sou. Sou movido pela emoção, e é por ser apaixonado pelo que faço que me dá muito prazer poder continuar trabalhando e ir sempre além.